UNIVERSO

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terça-feira, 7 de março de 2017

RELIGIÕES SEGUNDO JUNG








RELIGIÕES SEGUNDO JUNG


Introdução


A análise da religião e religiosidade em Jung conota-se na complexidade e na diversidade de caminhos e propostas da investigação do fenômeno.

Os fragmentos dos aspectos teológicos e sociológicos da religião serão os tópicos centrais desse trabalho.

A religião em Jung não adquire necessariamente o limite da confissão, mas amplia-se na complexidade da inconsciência coletiva e nos arquétipos individuais. É justamente nos sonhos que a instrumentalização da “linguagem” do inconsciente vem a mostrar a necessidade de buscarmos sentidos e significado para o simbolismo, isso porque os nossos sentidos limitam as impressões sobre a existência na realidade objetiva, porém ao buscarmos o entendimento sobre a dimensão simbólica da consciência adquirimos conhecimentos necessários para transformar o próprio símbolo em conhecimento objetivo.

As religiões funcionam basicamente como um suporte para a avaliação sobre a existência objetiva, pois as suas fontes são a própria leitura do indivíduo a acerca das condições externas, e ainda uma reserva em relação às exigências que o dia-a-dia vem a nos impor, podemos citar como um desses fatores os efeitos da economia nas sociedades, onde conota-se como uma das poucas realidades possíveis para agregar os valores necessários para a sua existência.

O direcionamento e a proposta das religiões está na leitura do mundo, porém de forma a criar oposições claras entre o material e imaterial, baseado num determinado sistema de sacralizações.

O fato do indivíduo pertencer a uma confissão, não significa necessariamente a manifestação de sua religiosidade, isso porque, ele pode estar ligado mais pelo efeito social do que transcendente. Numa condição da relação da crença e a individualidade, tanto uma determinada confissão quanto o estado, podem contribuir para limitar a visão dos indivíduos com o objetivo de impor a dominação.

Jung relata, por exemplo, o estado a serviço de uma estrutura ditatorial, onde suas forças além de suprimir a organização da sociedade civil, suprime também às forças religiosas da população, então, o aparelho do estado ocupa o lugar de Deus, ou ainda passa a ser a própria divindade.

Ao levarmos em conta o período da publicação do texto em análise, o autor critica principalmente os diversos regimes socialistas no sistema geopolítico da luta entre as polaridades americanas e soviéticas. Quando a autoridade, do estado ou religiosa, determina de forma autoritária os destinos e a sacralidade individual, acaba por contribuir para o surgimento do fanatismo, violentando toda e qualquer possibilidade de questionamento sobre os fatores decorrentes do processo.

Outro alvo da crítica junguiana vai para os racionalistas excessivos, (e também ao Freud, indiretamente), pois para os mesmos, os efeitos da religiosidade não passam de superstições e magia, entretanto, em nenhum momento, a magia deve ser subestimada ou reduzida a ilusões, pois os arquétipos e o processo da busca da divindade interna (ou do Self), articulam os efeitos da manifestação simbólica e mágica para a contemplação da experiência religiosa e íntima como um valor autêntico, ou ainda como função natural e latente.

Na busca pelo Self a função da fé na experiência religiosa é apenas uma função secundária, pois o próprio Self é uma realidade interna naquele que o busca, embora, com os limites que a parte inconsciente do espaço psicológico, designa na compreensão existencial. A dimensão da estrutura das imagens produzidas pela psique, em constante transformação e reestruturação dos arquétipos, vem a mostrar a necessidade de transcender os nossos limites e, a partir da análise interna podemos visualizar que a chamada modernidade não significa, necessariamente, o domínio do homem sobre a natureza, os fatos são outros, ou seja; o retrato do orgulho na grandeza humana demonstra o quanto estamos limitados as nossas fraquezas e ao egoísmo, o quanto falta para que possamos aprender com o autoconhecimento.




1. Inconsciente Coletivo



1.1. Definição


O inconsciente coletivo é a parte da psique que pode ser negativamente distinguida do inconsciente pessoal pelo fato de que não deve, como o último, sua existência à experiência pessoal e conseqüentemente não é uma aquisição pessoal.

Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que num tempo foram cônscios mas que desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência exclusivamente à hereditariedade. Visto que o inconsciente pessoal consiste na maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos.

O conceito de arquétipo, que é um correlato indispensável da idéia do inconsciente coletivo, indica a existência de formas definidas na psique as quais parecem estar sempre presentes e em toda parte. A pesquisa mitológica chama-as “motivos”; na psicologia dos primitivos elas respondem ao conceito de “representações coletivas” de Levy-Bruhl, e no campo da religião comparativa tem sido definidas por Hurbert e Mauss como “categorias de imaginação”. Adolfo Batian há muito chamou-as “elementarias” ou “pensamentos primordiais”. Destas referências deveria estar claro o bastante que minha idéia do arquétipo - literalmente um forma pré-existente - não permanece isolada mas é algo que é reconhecido e nomeado noutros campos de conhecimento.


1.2. O Significado Psicológico do Inconsciente Coletivo


A psicologia médica, crescendo como fez fora da prática profissional, insiste na natureza pessoal da psique. Com isso quero dizer os pareceres de Freud e Adler. É uma psicologia da pessoa, e seus fatores etiológicos ou causais são observados quase inteiramente como pessoal em natureza. Nem por menos, mesmo essa psicologia está baseada no instinto sexual ou no urgir da auto-asserção, que de modo algum são meramente peculiaridades pessoais. Forçado é a fazer isso porque permanece reclamando de ser uma ciência explanatória. Nenhum desses pareceres negaria a existência a priori de instintos igualmente comuns ao homem e animais ou que eles tenham uma influência significativa na psicologia pessoal. Contudo instintos são impessoais, universalmente distribuídos, fatores hereditários de um caráter dinâmico ou motivador, que muitas vezes falha tão completamente em atingir a consciência que a psicoterapia moderna se vê as voltas com a tarefa de ajudar o paciente a se tornar cônscio deles. Além disso, os instintos não são vagos e indefinidos por natureza, mas são especificamente forças-motivos formadas [formeadas] que, por muito tempo antes há em qualquer consciência, e a despeito de qualquer grau de consciência posterior neles, perseguem suas metas inerentes. Conseqüentemente eles formam analogias muito próximas aos arquétipos, tão próximas, de fato, que há boa razão para supor que os arquétipos são imagens inconscientes dos próprios instintos, em outras palavras, que eles sejam modelos de comportamento instintivo.

A hipótese do inconsciente coletivo é, pois, não mais do que ousar assumir que há instintos. Aquela admite prontamente que a atividade humana é influenciada num alto grau pelos instintos, perfeitamente separados das motivações racionais da mente consciente. Assim se a asserção é feita que a imaginação, percepção, e pensamento de fora são como que influenciados pelos elementos formais inatos e universalmente presentes, parece-me que uma inteligência normalmente funcionando pode descobrir nesta idéia tanto mais ou tanto menos misticismo como na teoria dos instintos. Embora essa reprovação do misticismo tem sido freqüentemente nivelada ao meu conceito, devo enfatizar de novo ainda que o conceito do inconsciente coletivo nem é especulativo nem filosófico mas uma matéria empírica.

A questão é simplesmente esta: há ou não há inconsciente, formas universais dessa espécie? Se existem, então há uma região da psique que alguém pode chamar inconsciente coletivo. É verdade que a diagnose do inconsciente coletivo nem sempre é uma tarefa fácil. Não é suficiente indicar a muitas vezes óbvia natureza arquetípica de produtos inconscientes, pois podem ser relativamente derivadas da aquisição pela linguagem e educação.

Criptomnésia não deveria também nunca ser admitida, o que é quase impossível fazer em certos casos. A despeito dessas dificuldades, permanece aí bastante instâncias individuais mostrando o renascimento autóctone dos motivos mitológicos para colocar a matéria além de qualquer dúvida razoável. Mas se contudo tal inconsciente existe, a explanação psicológica deve levar isso em conta e submeter certas alegadas etiologias pessoais a criticismo mais agudo.

A idéia de um segundo nascimento é encontrada em todos os tempos e em todos os lugares. Nos mais primitivos princípios da medicina era um meio mágico de cura; em muitas religiões é a experiência mística central: é a chave na filosofia oculta medieval e, por último, mas não menos, é uma fantasia infantil ocorrendo em numerosas crianças, grandes e pequenas, que acreditam que seus pais não são seus pais reais mas meramente pais adotivos para os quais foram entregues.

Agora é absolutamente fora de questão que todos os indivíduos que acreditam numa descida dual sempre tiveram na realidade duas mães, ou mutuamente aqueles poucos que partilharam o destino de Leonardo infectaram o resto da humanidade com seu complexo. Todavia, a pessoa não pode evitar a suposição de que a ocorrência universal do motivo do nascimento dual junto com a fantasia de duas mães responde a uma necessidade humana onipresente que está refletida nesses motivos.

Hoje você pode julgar melhor do que podia há vinte anos a natureza das forças envolvidas. Não podemos ver como uma nação inteira está reavivando um símbolo arcaico, sim, até mesmo formas religiosas arcaicas, e como essa emoção de massa está influenciando e está revolucionando a vida do indivíduo de uma maneira catastrófica? O homem do passado está enormemente vivo em nós hoje num grau insonhável de antes da guerra, e em última análise, o que é o destino das Grandes nações senão uma somatória das mudanças psíquicas nos indivíduos? Tanto mais uma neurose é realmente só um assunto privado, tendo suas raízes exclusivamente em causas pessoais, os arquétipos não desempenham nenhum papel.



Mas se é uma questão de incompatibilidade geral ou de outro modo uma condição injuriosa a produtora de neuroses em número relativamente grande de indivíduos, nós temos que assumir a presença de arquétipos "relacionados". Desde que as neuroses são na maioria dos casos não somente assuntos privados, mas fenômenos sociais, nós temos que assumir que os arquétipos também estão “relacionados” nesses casos. O arquétipo que corresponde à situação é ativado, e como resultado essas forças explosivas e perigosas escondidas no arquétipo entram em ação, freqüentemente com conseqüências imprevisíveis. Não há nenhuma pessoa lunática sob a dominação de um arquétipo, não cairá presa dele.

Se há trinta anos qualquer um tivesse ousado predizer que nosso desenvolvimento psicológico estava tendendo para um revivificação das perseguições medievais aos judeus, que a Europa tremeria novamente ante o fasces Romano e o passo pesado das legiões, que as pessoas dariam a saudação romana mais uma vez, como há dois mil anos, e que em vez da Cruz Cristã uma suástica arcaica atrairia milhões de guerreiros avançando prontos para morrer, esse homem teria sido vaiado como um bobo místico. E hoje?

Surpreendente como possa parecer, tudo isso é absurdo e uma realidade horrível. Vida privada, etiologias privadas, e neuroses privadas se tornaram quase uma ficção no mundo de hoje. O homem do passado que morou em um mundo de "representações coletivas" arcaicas emergiu novamente dentro de uma muito visível e dolorosamente vida real, e isso não só em alguns indivíduos desequilibrados mas em muitos milhões das pessoas. Há tantos arquétipos quanto há situações típicas na vida. Repetições sem fim gravaram essas experiências em nossa constituição psíquica, não na forma de imagens preenchida com conteúdo, mas a princípio só como formas sem conteúdo, representando meramente a possibilidade de um certo tipo de percepção e ação. Quando uma situação acontece que corresponde a um determinado arquétipo, tal arquétipo se torna ativado e uma compulsividade aparece, que, como um direcionador instintivo, ascende seu caminho contra toda a razão e vontade, ou então produz um conflito de dimensões patológicas, quer dizer, uma neurose.


1.3. Método de Prova


Temos que nos voltar agora à pergunta de como a existência de arquétipos pode ser provada. Desde que são supostos os arquétipos de produzir certas formas psíquicas, nós temos que discutir como e onde a pessoa pode se apropriar de material para demonstrar essas formas. A fonte principal, então, são os sonhos, que têm a vantagem de serem involuntários, produtos espontâneos da psique inconsciente e são, pois, puros produtos de natureza não falsificada para qualquer propósito consciente.

Pelo questionamento da pessoa individual pode se averiguar qual dos motivos que aparecem nos sonhos são conhecidos para ela. Dos que são desconhecidos para ela nós temos que excluir naturalmente todos os motivos que poderiam ser conhecidos dela, como por exemplo reverter ao caso de Leonardo - o símbolo do abutre.



Temos que procurar motivos que não poderiam possivelmente ser conhecidos do sonhador e ainda tivessem funcionalidade em seus sonhos e de certa forma coincida com o funcionamento do arquétipo conhecido de fontes históricas. Outra fonte para o material que precisamos será achada na "imaginação ativa". Quero dizer com isso uma sucessão de fantasias produzidas por concentração deliberada. Eu achava que a existência de fantasias irrealizadas, inconscientes, aumentava a freqüência e intensidade dos sonhos, e que quando essas fantasias são feitas consciente os sonhos mudam seu caráter e se tornam mais fraco e menos freqüente. Os sonhos contêm freqüentemente fantasias que "querem" se tornar conscientes.

As fontes dos sonhos são freqüentemente instintos reprimidos que têm uma tendência natural para influenciar a mente consciente. Em casos desse tipo, ao paciente é simplesmente dado a tarefa de contemplar qualquer fragmento de fantasia que pareça significar para ele uma idéia de mudança, talvez, ou algo que se tornou consciente de um sonho - até que seu contexto se torne visível, quer dizer, o material associativo pertinente no qual está embutido.

Não é uma questão de "livre-associação" recomendada por Freud com a finalidade da análise de sonhos, mas de elaborar a fantasia observando o material adicional de fantasia que se acrescenta ao fragmento de uma maneira natural. Esse não é o lugar para se entrar numa discussão técnica do método. Basta dizer que a seqüência resultante de fantasias alivia o inconsciente e produz material rico em imagens arquetípicas e associações. Obviamente, este é um método que só pode ser usado em certos casos selecionados cuidadosamente. O método não está completamente sem perigo, porque pode levar o paciente para muito longe da realidade. Uma advertência contra a aplicação irrefletida é, pois, apropriada.

Finalmente, fontes muito interessantes de material arquetípico serão achadas nas ilusões de paranóicos, nas fantasias observadas em estados de transe, e os sonhos da primeira infância, do terceiro ao quinto ano. Tal material está disponível em profusão, mas é de pouco valia a menos que a pessoa possa aduzir convincentes paralelos mitológicos. Se não o faz, claro, basta simplesmente conectar um sonho relativo a uma cobra com a ocorrência mitológica de cobras, pois quem garante que o significado funcional da cobra no sonho seja igual ao na colocação mitológica? De modo a tirar um paralelo válido, é necessário saber o significado funcional do símbolo individual, e então descobrir se o aparente símbolo mitológico paralelo tem um contexto similar e ainda o mesmo significado de função.


Bibliografia


Jung, Carl Gustav - “Presente e Futuro” , Petrópolis / RJ - ed. Vozes - 1991.
Jung, Carl Gustav - “Psicologia da Religião Ocidental e Oriental” , Petrópolis / RJ - ed. Vozes - 1988.
Jung, Carl Gustav - “Civilização em Transição” - Petrópolis / RJ, ed. Vozes - 1993.
Gustavo, Barcelos - “Jung” - São Paulo - ed. Ática - 1991.

Alessandra Passos de Magalhães